Como Isamaya Ffrench está redefinindo maquiagem e beleza
- Jessica Factor

- 18 de nov.
- 6 min de leitura

Mais do que maquiadora, a britânica Isamaya Ffrench é uma verdadeira artista que transforma o rosto humano em um território de contrastes, onde o belo e o imperfeito coexistem em tensão poética. Suas criações não buscam a harmonia convencional, mas sim revelam a beleza que nasce do defeito, da fissura, daquilo que está prestes a se desfazer. Cada traço de cor, cada textura sobre a pele, parece afirmar que o encanto não está na aparência perfeita e imaculada, mas no processo vivo de transformação e até o grotesco. Há algo de perturbador e fascinante no trabalho de Isamaya: ao mesmo tempo atraentes e estranhamente humanos, muito da sua estética subversiva distorce, critica e questiona a beleza considerada padrão e livre de imperfeições. Ao distorcer e ampliar os sinais de saúde e juventude, a maquiadora desmascara nossa obsessão por perfeição e expõe, com delicadeza brutal, o que há de mais inevitável em nós: a fragilidade e o tempo.

Fascinada pela intersecção entre feminilidade, beleza e ciência, ela é referência em maquiagem experimental. Com trabalhos em publicações importantes como Vogue, Dazed e com marcas como Tom Ford, Vivienne Westwood e Christian Louboutin, ela ocupa um lugar próprio na indústria: disruptiva, visionária e ainda pouco conhecida no Brasil, mas indispensável para quem olha o futuro da beleza como nós, Suquiners!
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Quem é Isamaya Ffrench?
Isamaya nasceu em Cambridge, na Inglaterra, e estudou 3D no Chelsea College of Art e depois design de produto na Central Saint Martins, uma das faculdades de moda mais prestigiadas do mundo. Em 2010, ela se juntou à Theo Adams Company, um coletivo londrino de artistas, dançarinos, músicos, atores e cantores de diversas partes do mundo. O grupo cria produções teatrais únicas em grande escala, além de trabalhos em cinema, eventos, fotografia e som.
Enquanto estudava, começou a trabalhar com pintura facial em festas infantis para complementar sua renda. Ela conta em entrevistas que logo o trabalho migrou para adultos quando uma amiga lhe pediu para transformar uma modelo em tigresa para um ensaio – um passo que a levou ao backstage da moda londrina.
Seu primeiro grande trabalho editorial veio quando a revista i-D viu uma dessas pinturas e a chamou para colaborar. Um dos momentos iniciais de destaque foi quando ela e o artista digital Matthew Stone transformaram a modelo Alek Wek em uma escultura viva para a revista.
Os trabalhos rapidamente evoluíram do face painting (pintura facial) para maquiagem + performance + direção de imagem.
"Eu não tive nenhum tipo de treinamento, tudo simplesmente pareceu muito natural. Meu primeiro trabalho foi para a revista i-D — e eu nem sabia o que era a revista i-D na época. Acho que isso me preparou para coisas maiores. Acabei apenas seguindo o fluxo e pintando rostos e corpos até sentir que queria seguir um caminho mais clássico na maquiagem", contou a artista para o portal Fashionista, em 2020.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
O que significa “rosto como estrutura tridimensional”?

Em vez de abordar o rosto como superfície plana para aplicar “beleza padrão” (como corretivo + blush + batom), Ffrench trata o rosto (e às vezes o corpo) como se fosse uma escultura ou arquitetura. Ela considera ângulos, volumes, saliências, sombras e materiais – assim, um olho não é apenas “maquiado”, ele pode ser prolongado por uma linha que sobe até a têmpora; uma orelha pode ganhar prótese metálica; a pele pode receber textura de concreto. Isso significa que a maquiagem deixa de ser apenas “embelezamento” e passa a atuar como construção de imagem, como se fosse arte usando o rosto como tela e relevo.
"Com maquiagem, você está pintando em uma tela 3D, mas eu encaro isso como um meio, não um fim. Uso a maquiagem como parte de algo maior e, se esse contexto maior exigir que eu crie algo que a maquiagem não alcança, eu vou além e recorro a outros recursos.", afirma.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Diretora criativa e marcas de beleza
A artista foi responsável pela direção criativa de linhas de maquiagem para Byredo, Burberry Beauty e Christian Louboutin Beauty. Também já colaborou com marcas como MAC, YSL Beauty, Kenzo, Tom Ford Beauty e Louis Vuitton.

Em 2022 lançou sua própria marca, ISAMAYA BEAUTY. A linha opera com coleções cápsula, veganas e de edição limitada. Entre as séries já apresentadas estão Industrial, inspirada em estética fetichista e metal, com embalagens de anéis e brincos incorporados; Wild Star, fusão de faroeste e futurismo; e uma parceria com a FACEGYM, com ferramentas tipo gua sha que moldam e massageiam, preparando a pele para a maquiagem. Em sua coleção mais recente, batizada de Core, a beauty artist traz uma linha com produtos inovadores -- como séruns coloridos que uniformizam o tom de pele -- mas também traz uma comunicação bastante subversiva que provoca e questiona o papel da maquiagem em um momento cultural que banaliza procedimentos estéticos.
A assinatura visual de Isamaya é disruptiva e a embalagem dos produtos incorporam formatos pouco convencionais como gloss em seringa, pigmentos metálicos, e texturas que lembram aço, cerâmica e concreto.
Produtos icônicos:
Batons em formato de pênis (LIPS)
Embalagens inspiradas em BDSM (Industrial)
Gloss em formato de seringa (Core)
Gua shas e ferramentas de cuidados com a pele
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Colaborações
Solidificando seu status como um profissional muito requisitada na indústria, Ffrench desenvolveu colaborações que combinam direção visual, conceito e experimentação, como:

Byredo Beauty - Colaborou no lançamento da linha de maquiagem da marca de fragrâncias, introduzindo cores e texturas pensadas para uso expandido, fugindo do modelo de “embelezamento corretivo”.
Nike (Air Max Dn) - Participou do desenvolvimento da campanha do sneaker, aproximando maquiagem e moda em uma estética híbrida que enfatiza performance e futuro.
Paco Rabanne (Phantom) - Desenvolvimento de visuais que exploram imaginários futuristas e características alienígenas por meio de próteses, texturas e metálicos.
Vyrao - Isamaya foi o rosto do lançamento mais recente da marca, o perfume Ludeaux, ao lado da atriz Mia Khalifa, que representou Ludatrix.
Trabalhos com divas da música pop incluem Björk, Rihanna, FKA Twigs, Rosalía e Madonna com caracterizações desenvolvidas para editoriais fotográficos, além de Charli XCX na construção de looks que aproximam cultura pop a estéticas de subcultura, como o visual punk romântico do MET Gala 2024.

Em todas essas parcerias, ela traz sua assinatura visual – um interesse pelo estranho, pelo sensual, pelo selvagem – e referências artísticas como Art Nouveau, Brutalismo, Dadaísmo e cultura fetichista.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Presença editorial e de moda

Suas criações aparecem regularmente em publicações como Vogue, Dazed, i-D, AnOther e W Magazine, em parceria com fotógrafos como Nick Knight e Tim Walker. No circuito de moda, já participou de desfiles de Vivienne Westwood, Balmain, Thom Browne e Junya Watanabe. São maquiagens que atuam como parte central da construção visual – como as próteses de orelhas desenvolvidas para a Burberry SS22 e a Collina Strada SS23, com próteses que transformaram modelos em porcos.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Por que ela merece estar no seu radar

A atuação de Ffrench desloca a maquiagem para além do paradigma de “ajustar” o rosto a um padrão esperado. Sua abordagem amplia o conceito de beleza, introduz subculturas (fetiche, industrial, performance), materiais pouco convencionais e formatos de produtos que provocam. Esse movimento aponta para um futuro da beleza em que a maquiagem tem papel ativo na construção de imagem e identidade. O resultado é uma estética ousada, que dialoga tanto com moda, arte contemporânea e cultura visual quanto com consumo de luxo, mostrando um movimento cultural que busca novas expressões estéticas e quebra de padrões. Num mundo com tantos padrões, Isamaya é um "sopro de ar fresco" no mundo (muitas vezes rígido) da beleza.










