Perfumes Narcóticos: O Mundo "Viciante” Das Fragrâncias
- Julia Bufrem

- 7 de set.
- 7 min de leitura

Se no princípio o nascimento do perfume veio da fumaça e da resina, foi o casamento com o álcool que alimentou (e ainda sustenta) séculos dessa fixação coletiva pelo cheiro. Afinal, a associação dos narcóticos com o universo do vício com a perfumaria não é nem um pouco nova.
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O que é um perfume narcótico?
Um perfume é considerado narcótico quando provoca uma sensação de atração irresistível e êxtase olfativo. Ainda que não existam evidências científicas de que um perfume possa causar dependência química ou até mesmo alucinações, como acontece com substâncias psicoativas, pode ocorrer uma espécie de “vício” psicológico ou comportamental relacionado a um perfume por conta da forte conexão entre o olfato, as emoções e a memória. O nosso olfato está diretamente ligado ao sistema límbico, a parte do cérebro responsável pelas emoções e lembranças. Por isso, um cheiro específico pode nos trazer uma memória afetiva ou um sentimento específico.
Seja com notas olfativas polêmicas em sua construção, com nomes que remetem ao vício e a um universo misterioso, proibido e intoxicante, ou então com fragrâncias arrebatadoras e irresistíveis, é nesse território que nascem os perfumes narcóticos. O mundo da perfumaria pode ser mesmo “viciante”.
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A origem dos perfumes “proibidos”
Desde o início do século XX, a perfumaria flerta com o proibido. Quando casas clássicas como Caron e Guerlain introduziram tabaco, couro e notas resinosas em suas composições, não estavam apenas inovando, estavam codificando no frasco o imaginário do vício e da transgressão.

O pós-guerra trouxe perfumes inspirados em bebidas fortes, como rum e conhaque, associados à boemia. Nas décadas seguintes, o fascínio pelo proibido se intensificou: notas de absinto, cannabis e ópio começaram a aparecer como metáforas olfativas de contracultura e excesso. O nome de um dos lançamentos mais marcantes, Opium (Yves Saint Laurent, 1977), escancarava a provocação: perfume como droga de luxo, capaz de criar dependência emocional.
Nos anos 2000, a perfumaria de nicho levou essa obsessão ao limite. Criadores como Alessandro Gualtieri, da Nasomatto e Orto Parisi, abraçaram de forma explícita o universo narcótico com fragrâncias como Black Afgano, inspirado no haxixe, e Absinth, que traduz em cheiro a sensação vertiginosa da bebida proibida. Já o Risvelium, da Orto Paris, foi inspirado pelo uso recreacional de substâncias para a “expansão da consciência”.


Isso mostra que o vício invisível do perfume narcótico sempre foi mais do que metáfora: é a prova de que cheiros têm o mesmo poder de atração e de obsessão.
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A tendência olfativa dos perfumes inspirados em substâncias proibidas
A criação de perfumes inspirados em substâncias psicoativas combina extratos naturais, moléculas sintéticas e, em certos casos, truques de ilusão olfativa. Notas como as de cannabis e tabaco podem ser obtidas diretamente das plantas, mas costumam passar por ajustes para eliminar aspectos indesejados (como o cheiro áspero e forte da erva em seu estado natural). Já substâncias como cocaína, heroína e MDMA não apresentam um cheiro natural definido e, por isso, precisam ser recriadas artificialmente. Nesse processo, aldeídos e acordes metálicos evocam a acidez química da cocaína, enquanto nuances almiscaradas simulam o perfume dos cogumelos de psilocibina.
Mas, é importante lembrar que, por mais que alguns perfumes possam ser olfativamente inspirados em substâncias ilícitas, isso não significa que eles causem os mesmos efeitos.


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Entretanto, James Elliott, criador de um atelier de perfumaria independente em Seattle, o Filigree & Shadow, tem uma criação bem ousada no seu portfólio: desenvolveu uma fragrância inspirada na metanfetamina. O resultado do perfume batizado de Sui Generis foi muito convincente segundo relatos de clientes, segundo ele relatou à revista Dazed.
Para alcançar essa verossimilhança, Elliott utilizou um ingrediente curioso: o ácido fenilacético; muito usado em perfumaria para compor acordes florais ou adocicados, ele também é conhecido como precursor na síntese da própria metanfetamina. Embora seja totalmente legal, Sui Generis enfrenta barreiras no varejo digital. “Posso vendê-lo diretamente pelo meu site, mas não consigo aprovação no Google ou nas plataformas da Meta, porque ninguém lá parece compreender que a nota de fundo da metanfetamina é simplesmente essa”, afirmou Elliot.
A arte do naming: nomes que sugerem dependência
As alusões a produtos ilícitos e à linguagem da dependência podem não se relacionar apenas com as notas, mas também com os namings, ou seja, o processo estratégico de criar e escolher nomes para marcas, produtos, serviços ou projetos.
Yvresse, Yves Saint Laurent
O Yvresse, da Yves Saint Laurent, é um perfume icônico que tem uma história interessante de nome e relançamentos. Originalmente lançado em 1993, ele se chamava Champagne, mas a marca foi obrigada a mudar o nome por uma ação judicial movida pelos produtores de champanhe da França, que defendiam a exclusividade do termo. Por isso, a fragrância foi rebatizada de Yvresse, uma palavra que evoca "embriaguez" ou "euforia" em francês.

Dior Addict, Dior
O Dior Addict, de 2002, é um perfume da Dior com uma fragrância oriental e floral. Conhecido por ser sedutor e intenso, ele tem como nota principal a baunilha Bourbon, combinada com jasmim e flor de laranjeira. Ideal para a noite, é um perfume marcante e inesquecível.
Com o passar dos anos, a Dior lançou diversas versões e reformulações do perfume, adaptando a sua fórmula para se adequar às novas tendências olfativas, embora a versão original de 2002 seja a mais aclamada entre os amantes de perfumes.
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Opium, Yves Saint Laurent
Um dos perfumes mais consagrados e controversos da história, Opium foi lançado em 1977 e foi uma revolução na perfumaria por ser uma fragrância oriental super-rica e especiada, que contrastava com os perfumes mais leves da época.

O nome e o conceito geraram grande polêmica na época do lançamento: a palavra "ópio" remete à substância ilícita e provocou protestos em vários países, principalmente nos Estados Unidos. mas o próprio Saint Laurent defendia que o nome se referia a um estado de êxtase, e não à droga. O perfume se tornou um símbolo de luxo e ousadia, com um rastro duradouro e sensual.
Ao longo dos anos, a marca lançou diversas variações, incluindo o adorado Black Opium lançado em 2014 e que trouxe uma versão mais moderna e doce do clássico, com notas de café, baunilha e flores brancas.

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Poison, Christian Dior
O Poison, da Dior, é um dos perfumes mais revolucionários da década de 80. Lançado em 1985, ele representou uma ruptura com as fragrâncias mais clássicas e leves que dominavam o mercado, trazendo um perfume oriental floral intenso, audacioso e com uma personalidade única. O Poison se tornou um sucesso global, e sua fórmula original é considerada complexa, ousada e uma obra-prima da perfumaria. Criada por Edouard Fléchier, combina notas que, até então, não eram usadas de forma tão intensa, como a tuberosa, incenso e mel.
O nome "Poison" ("veneno" em português) e a embalagem em um tom de roxo escuro já sugeriam a sua natureza misteriosa e sedutora. A ideia era criar uma fragrância tão poderosa que fosse proibida, um verdadeiro elixir de tentação.

Com o passar dos anos, a Dior lançou diversas versões da linha Poison, como o Pure Poison, o Hypnotic Poison e o Poison Girl, cada uma com uma personalidade distinta, mas mantendo a essência de sedução e ousadia do perfume original.

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Como identificar um perfume narcótico?
O termo “narcótico”, muito em alta na perfumaria, inclusive, se refere a fragrâncias que são extremamente inebriantes, sensuais e, de certa forma, viciantes. O termo não tem a ver com a substância narcótica, mas sim com a sensação de dependência e atração que o cheiro causa.

“Minhas fragrâncias florais são construídas como uma dependência narcótica. Adoro explorar as diferentes facetas de uma flor, especificamente aquelas que são inegavelmente sensuais.”
— Kilian Hennessy
Os perfumes da Kilian Paris, especialmente os florais como o “Love, Don't Be Shy”, são conhecidos por serem "narcóticos". O próprio Kilian Hennessy, herdeiro de uma das maiores fortunas da indústria do conhaque, usa esse termo para descrever suas criações. Ele explica que seus perfumes são projetados para causar uma espécie de êxtase olfativo. Ele busca explorar as facetas mais sensuais e profundas das flores, como a tuberosa e a flor de laranjeira, em vez de focar apenas no aspecto doce ou fresco delas.















